No centro da cidade, perto dali, outro brasileiro, o empresário José Luís Galvêas Loureiro, usou uma empresa registrada na Flórida, a GW Brickell, para comprar, em 2015, um imóvel avaliado em R$ 82 milhões. Luís é diretor-presidente da Galwan, empresa do ramo da construção civil que atua há mais de três décadas no Espírito Santo. Propriedades como essas, que se destacam na paisagem ensolarada de Miami, estavam nas sombras para a Receita Federal. Mas o tempo fechou. Nos últimos meses, um supercomputador localizado no subsolo da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, rodando um poderoso software de análise de dados da empresa californiana NetApp, passou a processar dados do Fisco dos Estados Unidos compartilhados com auditores brasileiros. Da mineração concluída em agosto, surgiu uma primeira planilha, obtida com exclusividade por ÉPOCA, com operações suspeitas realizadas só em 2013. Uma amostra. Foram identificados 137 brasileiros, donos de 90 imóveis não declarados por aqui, e que, somados, valem mais de R$ 300 milhões. Assis, João Magalhães e Galvêas Loureiro estão na turma que precisa se acertar com a Receita. O montante das multas a ser aplicadas, em fase já de autuação, chega a R$ 240 milhões.
ÉPOCA recorreu a corretores americanos vinculados à Miami Association of Realtors (MLS), que possuem um banco de dados privado com o registro de datas, valores e nacionalidade de compras efetuadas na região. Somado aos arquivos da Junta Comercial da Flórida e aos documentos cartoriais – ambos públicos –, identificou boa parte dos sonegadores na mira da Receita. Apenas na Sunny Isles Boulevard, onde o irmão de Ronaldinho e os Magalhães possuem casa de veraneio, há outros 20 imóveis de brasileiros não declarados ao Fisco. Dentro da amostra, 90% dessas operações envolveram a criação de empresas offshore, muito usadas para ocultar proprietários e dificultar o acesso da lei.
Brasileiros são disputados pelos corretores em Miami. Não à toa. Os dados mais recentes da MLS, a associação dos corretores locais, mostram que 12% das compras de imóveis no condado são feitas por brasileiros. O valor médio por propriedade, estimado em R$ 766 mil, faz do Brasil o país que paga mais caro por imóveis em Miami. Corretores que se dedicam exclusivamente à clientela do Brasil relatam que, além de pagar caro, o brasileiro costuma pagar à vista. “Com crise ou sem crise”, brinca um corretor com 12 anos de experiência no mercado americano. Compradores brasileiros são “tratados como reis”. São levados em carros de luxo para conhecer os imóveis. Os condomínios perto do mar são apresentados de dentro de iates; voos panorâmicos fazem parte do ritual de persuasão. Ao circular por Miami, não é difícil encontrar despachantes e corretoras que oferecem os caminhos da sonegação aos interessados. “Aqui eu faço meu trabalho, que é vender. Mas a gente sabe que esse problema(sonegação) é grande aqui”, diz um corretor. “Se o cara quer sonegar, ele que responda por seus atos.”
O subsecretário de Fiscalização da Receita, Iágaro Jung, não dá detalhes ou informações sobre as ações da Receita ou alvos. Mas explica que mecanismos de planejamento tributário extremamente sofisticados são usados para ocultar patrimônio no exterior. Isso faz com que os auditores tenham muito mais trabalho para identificar o sonegador no exterior. “Quando a gente vai pegar as pessoas que estão no topo da pirâmide e têm capacidade contributiva muito mais alta, o desafio é maior”, diz. “Estamos falando de outro tipo de sonegação.” Se os sonegadores evoluem suas técnicas, os auditores brasileiros tentam acompanhar com mais informações. Em parceria, a Receita envia aos Estados Unidos informações de americanos que têm investimentos no Brasil e recebe em troca as mesmas informações do Fisco americano. Os dados ficam armazenados no Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e em servidores instalados dentro do prédio da Receita. Esses supercomputadores só podem ser acessados por um pequeno grupo de auditores especializados em seleção de contribuintes e em mineração de dados.
Ao longo deste mês, uma segunda etapa de troca de informações entre Brasil e Estados Unidos vai acontecer. O próximo foco serão os sonegadores que compraram imóveis em Nova York. A partir de 2018, o torniquete vai apertar mais. As mesmas técnicas de cruzamento de informações passarão a ser empregadas em mais de 100 países, pois o Brasil integrará a Convenção Multilateral para Troca de Informações entre Países. A Receita brasileira terá o aval e as informações necessárias para investigar e identificar os sonegadores nacionais espalhados pelo mundo. O primeiro país, além dos Estados Unidos, será Portugal. Dessa forma, as possibilidades de esconder patrimônio devem ficar cada vez mais restritas. Até países como Panamá, Bahamas e Bahrein, destinos de recursos sujos de endinheirados de todo o planeta, abriram mão de sua condição de paraísos fiscais para não sofrer sanções internacionais. “Para fins tributários, o mundo passa a ser um mundo sem fronteiras”, diz Iágaro. “As possibilidades de esconder dinheiro vão ficar para países de segunda linha.” Manter dinheiro em paraíso fiscal não caracteriza, por si só, um crime. Mas é preciso entender, segundo Iágaro, que as pessoas se valem do paraíso fiscal por dois motivos: a baixa tributação no Imposto de Renda e a possibilidade de esconder patrimônio.
De acordo com a Receita, boa parte das pessoas que possuem imóveis não declarados no exterior já se envolveu em outras enrascadas no Brasil. Assis, o irmão e empresário de Ronaldinho Gaúcho, foi condenado por lavagem de dinheiro a cinco anos e cinco meses de prisão, em regime semiaberto. Assis não respondeu a ligações e e-mails enviados por ÉPOCA. O deputado João Magalhães, por exemplo, é investigado pelo Ministério Público Federal por suspeita de receber US$ 500 mil em propina como contrapartida por intervir numa área de exploração de turmalina paraíba, pedra preciosa azul mais cara do planeta. Detalhe: a investigação do recebimento dos dólares começou no mesmo ano em que comprou o imóvel na torre St. Tropez. Magalhães e sua mulher preferiram o silêncio e não explicaram as transações que envolvem o apartamento em Miami. O chefe de gabinete de Magalhães, Natanael Medeiros, disse que ele estava viajando.
A assessoria de imprensa do empresário José Loureiro disse que a GW Brickell é uma empresa aberta pela brasileira Galwan Empreendimentos e conta com aportes financeiros de 46 investidores. “Todas as remessas feitas para o exterior estão no Imposto de Renda desses investidores, que declaram também ser sócios da GW Brickell.” A assessoria afirmou que, no Imposto de Renda da Galwan Empreendimentos, consta a abertura dessa empresa no exterior. Não deu explicações, porém, sobre o fato de a empresa ter ocultado a compra do imóvel ao Fisco do Brasil. No terreno de R$ 82 milhões, a empresa disse que pretende construir um hotel. “Novos recursos estão sendo aportados pelos acionistas da GW Brickell para a construção, que está em vias de receber o financiamento americano. Os Estados Unidos são muito criteriosos com essas operações e já fizeram todas as verificações para aprovar o financiamento.” Agora, as informações dos criteriosos americanos serão compartilhadas com a Receita para ajudar a combater a sonegação, a corrupção, enfim, tudo aquilo que brasileiros desiludidos com seu país buscam em Miami.
Fonte: Epoca