O parcelamento instituído em 2014 é considerado ruim pela quantidade de parcelas que oferece – bem menor do que qualquer Refis, por exemplo, que geralmente disponibiliza 180 meses para a quitação das dívidas – e porque a adesão implica a desistência de todas as discussões, administrativas e judiciais.
“Esse parcelamento não pegou no mercado. Ele não atende ao espírito da Lei de Recuperação Judicial e Falências [Lei nº 11.101, de 2005]”, diz Guilherme Marcondes Machado, do escritório Marcondes Machado Advogados.
No caso julgado pelo STJ, a empresa D’King Comércio de Alimentos tentava aderir ao chamado Refis da Crise (Lei nº 11.941, de 2009). O programa, além de oferecer até 180 meses para o pagamento das dívidas, previa redução de multas e juros.
A empresa havia ingressado com a ação em 2012, quando o prazo de inscrição ao Refis já tinha se encerrado. A D’King Comércio de Alimentos argumentava ter direito a tratamento diferenciado por estar em processo de recuperação judicial, com base no artigo 155-A do Código Tributário Nacional (CTN). O dispositivo estabelecia a edição de uma lei específica às empresas nessa situação e, naquela época, tal programa ainda não existia.
Ao analisar o caso agora, os ministros da 2ª Turma do STJ seguiram entendimento do relator, Francisco Falcão. Levaram em conta o fato de o parcelamento especial já ter sido editado. Mas mesmo que ainda não tivesse sido, afirmaram, seria impossível a adesão a um programa cujo o prazo já havia se encerrado. Eles entenderam, para essa hipótese, que se aplicaria o programa oferecido regulamente pelo governo – com prazo de 60 meses.
A interpretação também teve como base o artigo 155-A do CTN. Para os ministros, o parágrafo 4º é claro no sentido de que a “inexistência de lei específica impõe a aplicação das leis gerais de parcelamento do ente da Federação, nesse caso a Lei nº 10.522, de 2002”. A decisão foi proferida de forma unânime (Recurso Especial nº 1.578.158-SP).
O entendimento do STJ, segundo o advogado Matheus Bueno de Oliveira, do PVG Advogados, “é um banho de água fria” para as empresas em processo de recuperação. “As companhias estavam acostumadas a um Judiciário mais complacente, onde prevalecia o princípio de sobrevivência da empresa”, diz.
De acordo com ele, houve, por muito tempo, uma lacuna na lei. A norma que regulamenta os processos de recuperação judicial e falências é de 2005 e a que criou o parcelamento das dívidas tributárias foi editada somente em 2014. A solução, nesse período, veio por meio de jurisprudência.
Havia um entendimento comum, entre os juízes, de que as empresas não podiam ser vítimas da ineficiência do Legislativo e do governo e, por isso, permitiam tanto que o plano de recuperação fosse homologado sem a apresentação da certidão negativa de débito (exigida pelo artigo 67 da lei de recuperação judicial e falências) como a adesão a parcelamentos que oferecessem os melhores prazos – mesmo que a data de inscrição do programa escolhido já tivesse se encerrado.
A lógica era a de que as empresas em processo de recuperação judicial recebessem o tratamento mais benéfico possível ao mesmo tempo em que o Fisco – seja estadual ou federal – não ficasse sem receber o que lhe é devido.
Depois de 2014, porém, o judiciário ficou dividido. Há decisões contrárias às empresas, mas ainda existem juízes que, a partir da argumentação de que o programa de 84 parcelas não cabe no plano de recuperação da companhia, autoriza a adesão a parcelamentos maiores.
Uma decisão recente nesse sentido foi proferida pela 2ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo (processo nº 1007989-75.2016.8.26.0100). O juiz Marcelo Sacramone condicionou a manutenção da recuperação judicial do Grupo Gep, titular das marcas Luigi Bertoli e Cori, à adesão de parcelamento das dívidas tributárias, mas frisando que a companhia poderia escolher “o melhor” programa.
O juiz afirmou, na decisão, que o prazo de 84 meses previsto pela lei de 2014 “não é condizente ao tratamento exigido pelos empresários em recuperação judicial” e considerou ainda como inconstitucional o fato de a adesão implicar a renúncia dos processos em que a companhia questiona tributos ou cobra créditos do Fisco.
Essa não é uma discussão que se finda com o julgamento no STJ, entende o advogado Renato Mange, do escritório que leva o seu nome. Ele chama a atenção que a análise do caso envolvendo a D’King Comércio de Alimentos foi feita por uma das turmas que trata de direito público e não pelas turmas de direito privado (3ª e 4ª), que julgam os processos de recuperação judicial.
“O que se discutiu, então, foi somente a questão do imposto”, afirma Mange. “Pode ser que a turma de direito privado tenha uma outra visão sobre esse tema. Elas podem aplicar, por exemplo, o artigo 47 [da Lei de Recuperação Judicial e Falências], que preza pela manutenção da empresa”, completa.
Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informa que “não impôs nem impõe restrições além daquelas previstas nas leis de cada parcelamento”. No caso julgado pelo STJ, acrescenta, “a empresa buscava aderir a parcelamento fora do prazo regulamentado”. Para a PGFN, “o direito líquido e certo da empresa”, que é o de receber tratamento diferenciado por estar em recuperação judicial, “estaria atendido pela Lei nº 13.043/14”.