Compliance e finança corporativa recebem atenção redobrada
Instituição financeira sofreu com a deterioração da carteira de crédito nos últimos anos
Mitigar fraudes praticadas por profissionais é uma necessidade em si e, adicionalmente, tem impactos positivos na imagem organizacional, no ambiente de trabalho, na motivação dos demais funcionários e na perenidade do negócio. A avaliação é de Renato Almeida dos Santos, sócio da S2 Consultoria, que destaca que a fraude atinge o desenvolvimento econômico da organização ao provocar ineficiência e incentivos errados, desestimulando seus colaboradores na busca pelo bem comum e gerando altos custos.
Segundo o especialista, há formas de prevenir as fraudes internas com políticas e ferramentas de controle. Entre elas estão código de ética, canais de denúncias, monitoramento contínuo, treinamento e desenvolvimento, entre outros mecanismos. "Ao estruturar um programa de compliance, é fundamental considerar que há diferença substancial entre fraude e crime comum. O último se origina em ambiente não (ou pouco) controlado pela organização, já a fraude interna nasce do comportamento do colaborador no contexto organizacional", orienta.
A partir daí, diz Santos, é possível observar e compreender os componentes repetitivos das fraudes, buscando responder questões como: "por que a fraude ocorreu?" e "como minha organização pode mitigar sua ocorrência?". Dessa forma, é possível buscar estratégias além da prevenção das consequências dos atos do fraudador e avançar no combate às irregularidades depois que elas ocorreram. "Se indivíduos cometem fraudes por influência do contexto da organização em que trabalham, há um prenúncio alentador: é possível não só prevenir, no sentido de aumentar a eficácia dos procedimentos para lidar com a fraude, mas também há a possibilidade de relativa predição quanto à formação do fraudador."
O especialista lembra que, há mais de meio século, foi elaborado o primeiro modelo preditivo denominado "Triângulo da Fraude", o qual explica que, para que uma fraude ocorra, são necessários três fatores: racionalização, pressão e oportunidade. "Porém, assim como o tempo, a dinâmica da fraude também avançou, tornando-se mais sofisticada e de difícil identificação", diz Santos. Surge, assim, o modelo "Pentágono da Fraude", com elementos que auxiliam a identificar os motivos que levam a práticas criminosas.
Além de buscar compreender e combater atos ilícitos estimuladas pela operação Lava Jato, as micro e pequenas empresas precisam enfrentar um outro desafio: a escassez de crédito. Isso porque a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro já desenvolvida no Brasil, aliada à crise econômica, provocou a deterioração da carteira de crédito do Bndes nos últimos dois anos. Em 2014, 71% das operações financeiras do banco eram classificadas com nota "AA" ou "A", que significam um risco muito pequeno de calote. No ano passado, esse número caiu para 42%. Entre 2015 e 2016, as provisões para risco de crédito do banco subiram 524%, de R$ 1,468 bilhão para R$ 9,156 bilhões.
A reavaliação da carteira foi feita após o banco verificar um aumento nos atrasos de pagamentos, principalmente depois da deflagração da Lava Jato, em 2014. No fim de 2016, quase 60% dos financiamentos, ou R$ 196,4 bilhões, tinham notas entre "B" e "H" - o que significa atrasos entre 15 dias a mais de 180 dias. Dois anos antes, essa fatia era de 30%.
Nos grandes bancos comerciais, privados ou estatais, essa relação é bem diferente. Entre os maiores nomes do setor, o Safra tem a melhor composição, com 89,5% das operações "AA" e "A", e apenas 10,5% com B ou pior. Itaú e Santander têm mais de 70% das transações com as melhores notas, enquanto Caixa, Bradesco e Banco do Brasil operam na casa de 60% do crédito em "AA" e "A", segundo dados declarados ao Banco Central.
O professor de finanças do Insper, Ricardo José de Almeida, diz que a deterioração da carteira do Bndes é esperada em um momento como o atual. "Alguns dos setores com grande exposição têm reduzida margem de lucro. Diante da recessão, é muito fácil cair no prejuízo, e o caixa aperta", diz. Almeida nota que, nessas situações, empresas passam a priorizar pagamentos. Nessa estratégia, financiamentos de bancos públicos e impostos costumam ir para o fim da lista de prioridades.
Elementos do 'Pentágono da Fraude'
Racionalização: discernimento sobre o certo e o errado, é a percepção moral que o indivíduo tem quando se depara com dilemas éticos que pautarão suas atitudes. O fraudador precisa racionalizar seus atos; ele necessita justificar para si e para os outros que determinada ação não é errada ou, caso seja, amenizar a situação flexibilizando os padrões éticos.
Pressão: situação à qual o indivíduo esteja submetido, considerando o contexto em que o potencial fraudador esteja vivendo em um determinado momento de sua carreira.
Oportunidade: é a ideia que o potencial fraudador faz do quão vulnerável o objeto desejado está, bem como a visualização que tem dos meios para a execução dessa fraude.
Capacidade: se refere à habilidade do indivíduo que, com má intenção, consegue operar o sistema de forma ardilosa objetivando o cometimento da fraude. De nada adianta o pretenso fraudador possuir acesso ao sistema que pretende fraudar se ele não tem a competência para executar.
Disposição ao risco: é a análise dos custos versus benefícios para decidir pelo cometimento ou não da fraude ocupacional. Antes de se tornar fraudador, o colaborador mensurará se os "benefícios" que a fraude trará cobrem os custos, na hipótese de ser descoberto e punido. Fonte: Renato Almeida dos Santos, sócio da S2 Consultoria
Tema ganha força com a Operação Lava Jato
Lavagem de dinheiro e fraudes estão na mira de micro e pequenos empresários
Após a regulamentação da Lei Anticorrupção, em 2015, as empresas já começaram a se equipar para evitar casos de corrupção, mas foi a Lava Jato que deu força a esse movimento. "Isso não evita que casos de corrupção aconteçam, mas o movimento ajuda na prevenção", destaca o advogado Rodrigo Porto Lauand, sócio do Porto Lauand e Toledo Advogados, especializado em Direito Empresarial.
O especialista lembra que, com a Lei Anticorrupção, a própria pessoa física pode ser punida, além de a empresa levar multas de até R$ 60 milhões. "No entanto foi a Lava Jato que estimulou as pequenas empresas a discutir corrupção e trazer o assunto para o dia a dia dos funcionários", reforça. Lauand lembra que a lei prevê que empresas que possuem práticas anticorrupção têm a pena atenuada em caso de serem flagradas em delito.
Na distribuidora de medicamentos Elfa, empresa que tem sede em João Pessoa, na Paraíba, a preocupação com o tema começou em 2010, quando uma consultoria independente criou um código de ética para os empregados. Atualmente, a companhia tem cerca de 400 funcionários, e se relaciona com muitas multinacionais. "Nossos fornecedores e parceiros comerciais - boa parte deles, empresas norte-americanas - são rígidos em relação à aplicação da Lei Anticorrupção, que em outros países já vigora há mais tempo. E os efeitos dessa legislação também atingem suas subsidiárias no Brasil", aponta Luis Liveri, diretor-geral da empresa.
Quando o Pátria Investimentos, gestor brasileiro de investimentos e parceiro da norte-americana BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo, adquiriu a Elfa em 2014, houve um impulso adicional para a estruturação de uma área de compliance interna. A Lei Anticorrupção norte-americana existe desde 1977, que prevê penas severas para empresas dos EUA e suas subsidiárias.
"Já temos o departamento de compliance, que se reporta diretamente ao Conselho de Administração da empresa, o que garante sua independência. Uma denúncia contra o diretor-geral da empresa, por exemplo, vai direto para o conselho por meio de um canal de denúncia anônimo e independente", conta Claudia Valente, gerente de compliance da Elfa.
Claudia passou recentemente por um treinamento oferecido pela Alliance for Integrity, um grupo composto, há alguns anos, por representantes de empresas nacionais e multinacionais, setor público, organizações internacionais e sociedade civil, que incentiva a transparência no sistema econômico. O grupo também capacita profissionais a treinar pequenas e médias empresas que queiram aderir às práticas anticorrupção. A iniciativa global foi implementada pela agência de cooperação técnica alemã GIZ e já chegou a diversos países, como Índia, México e Gana; e ao Brasil, em 2016.
Sócio da área de investigação e fraudes da consultoria Ernst & Young (EY), Guilherme Meister observa que, ao lado da corrupção, também está crescendo a preocupação das pequenas empresas com lavagem de dinheiro e fraudes. Muitas acabaram sendo usadas para viabilizar desvios, em casos recentes revelados pela Lava Jato. "Empresas menores do setor de construção civil, artigos de luxo e comércio também passaram a se preocupar com a origem do dinheiro que recebem dos clientes."
Segundo Meister, a EY detectou um crescimento de 50% ao ano, nos últimos três anos, de pequenas empresas buscando ajuda para implementar mecanismos anticorrupção. Entre elas há empresas que estão se preparando para receber investimentos, que podem ser de fundos estrangeiros, e buscando melhorar suas práticas de transparência. Outras, afirma Meister, procuram a consultoria, porque detectaram movimentos de fornecedores que podem resultar em desvios de conduta, ou porque seus parceiros já estão envolvidos em problemas de corrupção.
Fonte: Jornal do Comércio