Se preencher a declaração ficou mais prático, o contribuinte ficou mais complicado. Hoje ele investe na bolsa, tem previdência privada, compra títulos do Tesouro Nacional, é Microempreendedor Individual (MEI). Quem nessa situação se arrisca a encarar o fisco sem a ajuda dos profissionais?
Essa relevância do profissional contábil extrapola a temporada do Imposto de Renda. O fato é que a contabilidade nunca foi tão exigida quanto nos dias de hoje. As legislações fiscais e contábeis brasileiras foram adequadas ao padrão internacional, o big brother da Receita cresceu os olhos sobre o contribuinte com ajuda do Sped e do e-Social, o fisco passou a não tolerar mais erros.
O jeito foi o setor contábil reagir para se adequar à nova realidade do setor. Desde o ano passado não há mais espaço no mercado para os técnicos contábeis que não se atualizaram. Hoje só obtém registro de contador quem tiver curso superior – capacitação passou a ser palavra de ordem.
É cada vez mais raro encontrar aquele contador autônomo que só aparece no período do Imposto de Renda. Os profissionais contábeis hoje estão organizados em escritórios especializados ou compõem o departamento de contabilidade das grandes empresas.
“Antigamente o contador agia para resolver um problema identificado pelo fisco, hoje ele atua na prevenção, para evitar que o problema aconteça”, diz Márcio Shimomoto, presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis do Estado de São Paulo (Sescon-SP).
De acordo com Márcio, o antigo guarda-livros, como era chamado o contador, passou a ter função estratégica, a atuar como uma ferramenta de gestão para as empresas, orientando empreendedores, investidores e contribuintes dos mais variados perfis a tomarem as decisões mais adequadas. “Hoje atuamos como consultores”, diz.
Esse aumento de responsabilidades da categoria fez o profissional contábil ser mais valorizado no mercado. O salário médio aumentou – hoje está em cerca de R$ 5 mil – e o número de profissionais atuando na área já ultrapassa os 320 mil, espalhados por mais de 45 mil escritórios, segundo o Conselho Federal de Contabilidade (CFC).
A carreira de contador passou a ser uma das mais concorridas nas universidades. No ano passado, segundo o Ministério da Educação (MEC), o curso de ciências contábeis foi o 10° com maior número de inscritos nas faculdades públicas.
“Quem decide fazer contabilidade sabe o que vai encontrar pela frente. Não há tanto glamour quanto em outras profissões, o futuro contador está preparado para se debruçar sobre os livros”, diz Marcos Feijó Felipe, sócio do escritório Múltipla Assessoria e Contabilidade LTDA.
Marcos conhece a fundo a rotina de contador. Ele praticamente cresceu dentro de um escritório contábil. Essa era a atividade do seu avô, que incentivou seu pai a seguir a mesma carreira, que por fim influenciou a ele e seus três irmãos a trilhar esse mesmo caminho.
A sucessão é uma outra peculiaridade da área contábil. Segundo o sócio da Múltipla, 70% das empresas do setor são familiares. É simples entender o motivo: o contador é uma espécie de confidente. Ele sabe dos gastos dos clientes, suas dívidas, a frequência com a qual vai ao médico, as pensões que paga... É inevitável que essa cumplicidade entre as partes transcenda a esfera profissional e passe a ser uma relação pessoal.
“O nome do escritório muitas vezes representa garantia de continuidade de um trabalho bem executado. Até hoje atendo clientes que meu avô trouxe há mais de 40 anos”, diz Marcos.
Como a terceira geração de contadores da família, ele passou, ainda que como expectador, pelas drásticas mudanças que ocorreram na profissão ao longo dos anos. “Quando criança eu brincava no escritório com as gelatinas – placa usada para fazer cópia de documentos -, e vi o início da revolução trazida pelo programa do Imposto de Renda da Receita, que foi o primeiro meio eletrônico de declaração implantado”, diz Marcos.
Os meios eletrônicos mudaram a rotina dos escritórios contábeis. A informática trouxe praticidade, mas não a simplicidade que os contadores esperavam. O eSocial, por exemplo, exige que a área contábil das empresas lide com 1.480 campos a serem preenchidos com informações relativas à folha de pagamento, obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais. A Declaração de Informações Econômico-fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ) pode ter mais de 10 mil páginas dependendo do porte da empresa.
As informações, que antes eram consolidadas, passaram a serem exigidas pelo fisco de maneira detalhada, item por item. “Não importa se o contador acabou de sair da faculdade ou se tem 50 anos de estrada, a capacitação é fundamental para todos na nossa área porque a rotina contábil e as legislações mudam com frequência”, diz Márcio, presidente do Sescon-SP.
Mas algumas coisas nunca mudam. É final de março, o prazo para que os contribuintes entreguem a declaração do imposto de renda entra na metade final. No Assessor Bordin, Clóvis ainda espera a maior parte dos documentos dos clientes que procuraram seu escritório. “Todos os anos é a mesma coisa, sempre há pendências dos clientes. Falta informe de rendimentos, recibos de despesas”. As coisas começam a andar mesmo em final de abril, quando a boca do Leão já está quase fechada.
Fonte: Jornal do Comércio