As limitações acadêmicas de Pedro o impedem de ser aprovado em concurso público. Ele vai ser um medíocre professor numa escola de ensino fundamental de segunda linha (pública ou privada), oferecendo ensino de baixa qualidade às novas gerações das famílias que não podem pagar por uma escola melhor. Pedro só conseguiu essa vaga porque há uma reserva de mercado: por lei, as escolas de ensino fundamental só podem contratar professores com diploma de nível superior. Fosse permitido contratar universitários, diversos graduandos em Biologia mais talentosos e motivados que o diplomado Pedro estariam em sala de aula, oferecendo boas aulas às crianças.
Antônio é tão brilhante quanto João. Daria um excelente engenheiro, mas nasceu em família pobre e estudou em escola pública. Teve professores limitados, no padrão de Pedro, e a desorganização administrativa da escola piorava as coisas: muitas vezes não havia professores em sala. Falta com atestado médico não dá demissão.
Antônio até conseguiu passar no vestibular de Engenharia em universidade pública, pelo sistema de cotas, mas sua formação deficiente em Matemática foi uma barreira intransponível. Abandou o curso, deixando mais horas-aula perdidas e mais uma vaga ociosa na conta dos contribuintes.
Antônio, porém, é empreendedor. Não se abalou com o insucesso universitário, aprendeu a consertar eletrônicos por meio de vídeos no YouTube. Montou um pequeno negócio de manutenção de smartphones e computadores. Seu talento poderia torná-lo um grande empresário. Mas para crescer ele precisa transferir sua empresa do regime de tributação Simples para a tributação normal, pagando impostos muito mais altos, porque o governo precisa de muito dinheiro para pagar altos salários, para custear a universidade gratuita que desperdiça vagas e para sustentar escolas públicas que não dão aula, entre outras despesas. Mesmo assim, o governo permanece em déficit e toma empréstimo para se financiar, aumentando a taxa de juros. Com impostos altos e crédito caro, Antônio prefere manter seu negócio pequeno. A grande empresa e seus empregos morreram antes de nascer.
Chico é um líder talentoso. Dirige uma central sindical que congrega os sindicatos dos companheiros do Judiciário e dos professores, entre outras categorias. Chico está em frente ao Congresso Nacional apoiando a greve de Pedro por melhores salários. Faz um discurso contra os neoliberais, que só pensam em cortar gastos públicos e arrochar os trabalhadores. Chico não tem muito do que reclamar (embora, como líder sindical, a sua especialidade seja, justamente, reclamar): além da remuneração paga pelo sindicato (e custeada pelo imposto sindical, cobrado obrigatoriamente dos contribuintes), ele está aposentado pelo INSS desde os 52 anos de idade. Até o fim da sua vida receberá muito mais do que contribuiu para a Previdência.
Nenhum dos personagens acima citados tem comportamento ilegal. Eles jogam o jogo de acordo com as regras que estão postas. O erro está nas regras. Mudá-las requer superar as dificuldades das decisões coletivas. Não mudá-las implica continuar com talentos profissionais e dinheiro público mal alocados, empregos improdutivos, potenciais inexplorados, gasto público excessivo, oportunidades perdidas, incentivos errados. Uma fábula de improdutividade.
*Marcos Mendes tem graduação, mestrado e doutorado em economia, custeados pelos contribuintes, em universidades públicas. Não se anuncia como ‘economista’, pois não é filiado ao conselho regional de economia e não quer ser processado por isso. É servidor público bem remunerado
Fonte: ESTADÃO